segunda-feira, 21 de maio de 2012

Dom Quixote, Hamlet ou Fausto?


Em seu livro “Homem – a chave do entendimento dos três níveis da consciência masculina” Robert A Johnson usa três personagens clássicos da literatura, comparando-os aos três níveis de consciência que segundo ele o homem pode atingir: a bidimensional, a tridimensional e a quadridimensional. Apesar de o autor usar o termo “consciência masculina” no título do livro, ele explica em uma nota que a teoria descrita por ele também pode ser aplicada às mulheres, apesar de ter um caráter predominantemente masculino (a mulher é geralmente muito mais intuitiva, mais introspectiva). 

Dom Quixote, personagem escrito por Miguel de Cervantes no século XVII, enquadra-se como o homem bidimensional, ou o homem simples. Segundo Johnson este tipo de homem é muito raro em nossa sociedade, e descreve melhor o homem medieval. Este vive em seu mundo interno, imerso na fantasia, sendo movido por instintos, por ser incapaz de questioná-los.

Este personagem era um homem de fé e com coragem para resolver tudo o que lhe aparecia pela frente, pois não era capaz de ver os fatos como eles realmente eram, mas sim como ele gostaria que fossem. Ao contrário de Hamlet, de Shakespeare (também publicado no século XVII), o homem bidimensional, onde se pode enquadrar a maioria dos homens que vivem em nossa época. Hamlet é o homem da tragédia, exemplo de homem dividido. Segundo Johnson, Shakespeare anteviu, através de Hamlet o homem moderno, preocupado e cheio de ansiedades.

Hamlet, se comparado a Dom Quixote encontra-se em um estado evolutivo avançado de consciência, mas não sabe o que fazer com ela. Ele é incapaz de seguir o caminho da evolução de sua consciência por não conseguir resistir à pressão da sociedade que o cerca. O homem que se encontra nesta fase, também designado como homem complexo não consegue se decidir entre agir pelo instinto ou pela iluminação. Isso porque ele sabe demais para agir pelo instinto, mas ainda sabe pouco para agir pela iluminação. É característica deste homem a falta de ação e o excesso de palavras. Essa incerteza é muito bem exemplificada pela famosa frase: “ser ou não ser, eis a questão.”

Fausto vem nos salvar desta vida representada por Hamlet, do homem ansioso e infeliz, já que é impossível, depois que se atinge um certo grau de consciência, voltar ao mundo natural, feliz e seguro de Dom Quixote, permanentemente. Fausto foi escrito por Goethe, sendo publicada a primeira parte desta obra em 1808 e a segunda em 1932.

Enquanto Hamlet é dominado pelo ego, Fausto é dominado pelo self. Sendo que o ego se constitui em nossa parte consciente, e o self, a nossa totalidade. Este último consiste em uma tendência que todos temos no inconsciente da busca do máximo de nós mesmos. Self é um centro suprapessoal que tem sido chamado atualmente por natureza crística, búdica, consciência cósmica, satori e samadhi. É o organizador da psiquê, o centro do aparelho psíquico, englobando o consciente e o inconsciente.

Segundo Johnson é necessário que cheguemos ao ponto de desesperança representado por Hamlet, para que possamos chegar à iluminação, representada por Fausto. Aliás, o próprio Fausto teve sua fase de desespero. O caminho para a iluminação não é algo fácil e exige sofrimento. Por isso são poucas as pessoas que conseguem fazer esta transição. Hamlet, por exemplo, fracassou, provocando a sua própria morte. Esta passagem da consciência tridimensional para a quadrimensional é a condução do centro da gravidade da personalidade do ego para o self e, se vista a partir do ponto vista do ego, aparenta a morte, ou melhor, suicídio, sendo que ele faz esta passagem voluntariamente.

Através destes três personagens, Johnson nos guia a uma viagem pelo desenvolvimento da consciência que podemos chegar nesta vida. É importante que saibamos em que fase nos encontramos para que possamos nos encaminhar corretamente, sendo que para o homem complexo só existem duas saídas: uma é retroceder para a fase bidimensional, o que não pode ser feito permanentemente, depois que se atinge o grau de consciência tridimensional; e a outra é progredir para a iluminação, um caminho mais difícil.

Regredir ao mundo de Dom Quixote só é possível momentaneamente, através de pequenos contatos com o mundo simples, conservando um pouco do comportamento primitivo, como quando acampamos, praticamos esportes, ou algum tipo de arte, por exemplo. Outra forma de retroceder menos benéfica é através do vandalismo e outros tipos de comportamentos antissociais, por exemplo. Estes são os momentos em que conseguimos “esquecer da vida”.

Algumas pessoas usam a regressão ao mundo simples como uma “válvula de escape”, mas na maioria das vezes isso não funciona por muito tempo, pois chega um momento em que somos acometidos pelo que chamamos “crise”. É o momento em que não se encontra mais prazer nas coisas simples, como correr ou cuidar do jardim, é o encontro com a angústia. Nós inventamos vários nomes para este processo como crise da meia idade, do ninho vazio, de identidade, a idade do lobo, etc. Este momento pode durar pouco ou muito tempo, dependendo de quando a pessoa irá despertar para um novo nível de consciência. Neste momento há um despertar para o mundo interior (que esquecemos na fase tridimensional) e a consciência se amplia. É quando começamos a realmente entrar em contato conosco e a nos conhecer, começamos a perceber uma parte de nós que era inconsciente, mesmo que seja um lado que não gostemos muito, integrando-o a nossa personalidade.

Porém a iluminação nunca é definitiva, sempre existirão os momentos em que voltaremos a fase tridimensional, ou bidimensional, pois não somos perfeitos. Mas o ideal é que consigamos ter a capacidade de penetrar neste mundo quadridimensional quando se fizer necessário, e essa capacidade, infelizmente ainda é rara e muito fácil de ser perdida. Geralmente só conseguimos chegar à ela na velhice, mas o importante é saber que temos esta capacidade, e que existe uma saída para nossas angústias. Ou seja, a felicidade existe, mesmo que não seja definitiva! E não vale a pena ficarmos fugindo de nossos problemas, pois desta forma só estaremos adiando a chegada da iluminação, permanecendo um tempo desnecessário no sofrimento.

Dayse Rodrigues
Psicóloga – CRP/12 – 02390

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